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Esqueça a Coreia do Norte: o apocalipse vai começar pelo seu celular

Rafael Capanema

30/04/2019 17h32

Eu sempre concordei com aquela profecia célebre do Einstein: "Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus" (não se sabe ao certo, aliás, se a frase é dele mesmo).

Acreditei mais ainda nessa previsão quando o Donald Trump assumiu o poder e começou a chamar o Kim Jong-un de "homenzinho do foguete" (ou, na minha tradução preferida, "homem do foguetinho"). Já fui me despedindo da família e dos amigos.

Mas logo os dois mandatários desenvolveram uma gostosa amizade, e eu me convenci de que, assim como outros líderes autoritários contemporâneos, eles parecem estar menos interessados em aniquilar a raça humana do que em aniquilar a nossa paciência. Ufa!

Passei a crer, então, que o apocalipse a curto prazo viria das consequências do aquecimento global, mas este foi felizmente refutado na semana passada pelo cientista Flávio Bolsonaro.

Minha teoria preferida do apocalipse voltou a ser, portanto, uma que eu li em um artigo há alguns anos, na New Yorker, na New York ou no New York Times. (Passei horas procurando o texto original e não o encontrei. Se você sabe do que eu estou falando, deixe o link nos comentários, pelo amor de Deus.)

A teoria do(a) articulista é que a Grande Tragédia da humanidade ocorrerá quando se tornarem públicas, por falha humana ou sabotagem, todas as mensagens privadas já enviadas no mundo. Imagine o estrago que isso causaria em todas as relações: pessoais, familiares, diplomáticas. Pense que qualquer pessoa no mundo passaria a ter acesso a absolutamente tudo que você já escreveu. Que você pudesse consultar, como quem faz uma busca no Google, todas as coisas que já falaram sobre você no zap, no GTalk, no MSN, no Messenger.

Mas um apocalipse de origem digital não dependeria de falhas em sistemas atuais, como seria o caso desse eventual vazamento: bastará o avanço natural das tecnologias contemporâneas.

Vamos começar pelos celulares com câmeras de ultrazoom, como o recém-lançado P30 Pro, da Huawei. Veja o vídeo abaixo, que foi filmado supostamente com ele:

Eu ainda não estou convencido de que a gravação foi mesmo feita nesse celular (leia mais aqui), mas um teste parecido publicado por um veículo respeitável chegou a resultados muito próximos.

E, sim, lentes de ultrazoom existem há muito tempo. Mas sempre foram caras e enormes, coisa de detetive. Hoje pode-se obter um resultado bem próximo com um negocinho que a gente guarda no bolso e usa pra ver vídeos de chá de revelação e mandar stickers do Faustinho dizendo "oloquinho, meu".

Mas voltando ao apocalipse, ainda no tema da privacidade. Já houve vários casos de hóspedes que encontraram câmeras escondidas nos imóveis que alugaram pelo Airbnb. O mais recente foi o de uma família neozelandesa na Irlanda.

Agora imagine câmeras escondidas virtualmente invisíveis, com conexão ininterrupta à internet. Em qualquer lugar. Não só a câmera do seu laptop, que pode agora mesmo estar sendo monitorada por um adolescente em São Petersburgo (bota uma fitinha isolante na frente!). Imagine câmeras escondidas acopladas no seu pet. Posicionadas em frente ao vaso sanitário do seu banheiro. Acessíveis 24 horas por dia na deep web, por apenas 0,0000005 bitcoin ao mês.

Mesmo se não conseguirem nos filmar nos momentos mais íntimos, pessoas mal intencionadas poderão forjar vídeos nossos. Os tais dos deep fakes.

Veja o vídeo abaixo, em que líderes mundiais parecem dublar "Imagine", do John Lennon:

Por enquanto é uma tecnologia proprietária de uma startup de Israel, mas logo, logo poderemos fazer isso com a mesma facilidade com que aplicamos hoje o filtro de cachorrinho do Instagram.

Como frear os efeitos nocivos desses avanços tecnológicos? Com regulação estatal pesada? Acho que não, né? A curto prazo, a humanidade não corre o menor risco de dar certo.

Ficou assustado? Não se preocupe com os horrores que eu lhe digo, eu diria, parafraseando o Belchior, que morreu há exatos dois anos: isto é somente um post de blog. A vida realmente é diferente. Ao vivo vai ser muito pior!

Sobre o Autor

Rafael Capanema é formado em jornalismo. Trabalhou na Folha de S.Paulo e no BuzzFeed. Paulistano, mora em Madri desde 2015.

Sobre o Blog

Um espaço para entreter, tendo sempre o humor como norte, a partir da minha experiência como redator de entretenimento, repórter de tecnologia e autor de blogs nos primórdios.

Rafael Capanema