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Carlos Bolsonaro é o escritor contemporâneo mais fascinante do Brasil

Rafael Capanema

26/04/2019 16h26

Carlos Bolsonaro é hoje o escritor mais fascinante do Brasil. Seu veículo é o Twitter; seu gênero preferido é o mistério. E esse mistério consiste quase sempre em descobrir o que diabos ele está querendo dizer.

Numa tentativa de tornar um tweet recente dele mais compreensível, acabei fazendo seu fichamento, como apontou a minha amiga Laurinha Lero, que é professora de redação:

Os tweets do Carlos são uma mistura bastante original de pensamentos paranoicos, erros de digitação, substituições equivocadas do corretor automático do celular e aquilo que, para mim, é o elemento mais característico da sua escrita: agressões profundas ao paralelismo sintático.

É um pouco difícil explicar o que é paralelismo sintático. Na definição da grande Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa do Grupo Folha-UOL, é o preceito "segundo o qual quaisquer elementos da frase coordenados entre si devem apresentar estrutura gramatical similar".

Com um exemplo prático fica fácil entender. Veja, por exemplo, uma lista de afazeres sem paralelismo sintático:

  • Corte de cabelo
  • Manteiga
  • Imprimir boletos

Agora, essa mesma lista reescrita com paralelismo sintático:

  • Cortar o cabelo
  • Comprar manteiga
  • Imprimir boletos

Poderíamos ainda simplificá-la, reduzindo-a aos substantivos principais, mas mantendo o paralelismo sintático:

  • Cabelo
  • Manteiga
  • Boletos

(O problema é essa versão parar nas mãos erradas e alguém acabar comprando cabelo, cortando boletos e imprimindo manteiga.)

Claro que ninguém costuma (ou deveria) se preocupar com paralelismo sintático em listas de afazeres domésticos. Mas um político que adota esse preceito na sua comunicação com o povo "facilita a leitura (…) e proporciona clareza", citando de novo a Thaís.

O tweet inteiro do Carlos deveria ser reescrito, mas vamos nos ater a este trecho: "Desprezar isto só têm três motivos: total desconhecimento, se lixando para os reais problemas do Brasil ou acha que o mundo gira em torno de seu umbigo."

Note que a agressão do Carlos ao paralelismo sintático é muito maior do que a da listinha do meu exemplo. Ele começa com um substantivo adjetivado ("total desconhecimento"), depois coloca um verbo como centro do elemento seguinte ("se lixando") e, no item seguinte, segue com mais um verbo ("acha"), mas muda o tempo do gerúndio para o presente.

Sugiro duas opções de reescrita:

"Só despreza isso quem é ignorante, quem se lixa para os reais problemas do Brasil ou quem acha que o mundo gira em torno de seu umbigo."

Ou:

"Desprezar isso só pode ter três motivos: total desconhecimento, indiferença em relação aos reais problemas do Brasil ou egocentrismo."

Hoje mesmo, em um comunicado no Twitter sobre educação, seu pai Jair falou sobre… aprender a escrever:

Pelo estilo, aposto que os tweets foram escritos pelo Carlos, o ghost-writer mais famoso do presidente.

De novo, está tudo muito mal escrito, então só vou aplicar o paralelismo sintático ao trecho "(…) ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta".

Sugestão 1: "(…) ensinando para os jovens a leitura, a escrita e a matemática"

Sugestão 2: "(…) ensinando os jovens a ler, a escrever e a fazer conta"

Claro que o problema dos tweets do Carlos nem sempre é o paralelismo sintático. Tentei "fichar" este aqui, por exemplo, mas fui incapaz de entender o que ele quis dizer e acabei só acrescentando emojis, mesmo:

Um exercício interessante de redação nas escolas brasileiras seria reescrever os tweets do Carlos de modo que eles façam sentido (pode ser num intervalinho entre as aulas de ideologia de gênero e doutrinação comunista).

Outra coisa que veio à minha cabeça: será que o Carlos se comunica desse jeito no dia a dia? Tentei imaginar uma conversa dele com o Eduardo no WhatsApp:

Sobre o Autor

Rafael Capanema é formado em jornalismo. Trabalhou na Folha de S.Paulo e no BuzzFeed. Paulistano, mora em Madri desde 2015.

Sobre o Blog

Um espaço para entreter, tendo sempre o humor como norte, a partir da minha experiência como redator de entretenimento, repórter de tecnologia e autor de blogs nos primórdios.

Rafael Capanema